Não estamos preparados para receber uma criança com deficiência, os pais, avós, tios e professores, todos se deparam com uma situação desafiadora quando são confrontados com essa realidade. Na maioria das vezes não sabemos como reagir e nos sentimos incapacitados para atender às necessidades que se apresentam diante de nós. A primeira reação que pode se apresentar é um sentimento de piedade, ficamos tristes por achar que aquela criança está fadada a uma vida de perdas, não sabemos como interagir, não sabemos nem mesmo o que esperar.
Um dos princípios fundamentais que apendi ao longo de décadas de trabalho com Educação Especial foi que ao me deparar com uma criança com deficiência é necessário desviar o foco do que lhe falta, e estar atentos às possibilidades que aquela pessoa que está diante de nós apresenta. Não podemos nos deixar sucumbir ao sentimento de piedade e superproteção, não dá para dizer que não somos capacitados para interagir, a criança está ali, diante de nós e nossa responsabilidade é dar uma resposta às suas necessidade. Quando enxergamos além da deficiência conseguimos ver as possibilidades, a deficiência nos paralisa mas as possibilidades nos inspiram e impulsionam para buscarmos novos caminhos, seja em relação ao aprendizado ou ao convívio social.
Tendo trabalhado por muito tempo com pessoas com deficiência, tive oportunidades de atuar junto a crianças e adolescentes surdos, crianças com Deficiência Intelectual e pessoas cegas ou com baixa visão. Não havia atuado, nem me sentia motivada a atuar com crianças com paralisia cerebral¹ ou com múltiplas deficiências. Quando via colegas de trabalho interagindo oralmente com crianças com paralisia cerebral, que não andavam, não falavam, algumas nem sequer conseguiam dar um aceno, crianças que aparentemente não entendiam nada do que acontecia ao seu redor, eu pensava que aquelas colegas estavam falando sozinhas, que não havia nenhum tipo de correspondência por parte da criança.
Finalmente tive oportunidade de trabalhar com alunos com paralisia cerebral, todos eles me surpreendiam a cada encontro, uma delas, em especial, me marcou muito porque a escola afirmava que a criança não falava e não compreendia a linguagem oral, embora a mãe afirmasse o contrário. Vou chama-la de Isa, ela estava então com 8 anos. Essa criança não andava e, aparentemente não falava, ela apresentava paralisia cerebral com movimentos involuntários que a obrigavam a ficar literalmente presa na cadeira de rodas para que não escorregasse. Comecei o trabalho com a Isa, e a cada dia me surpreendia com suas possibilidades, um dia ela me contou algo sobre sua família, era necessário um esforço muito grande para que as palavras fossem articuladas, a fala era difícil por sua condição coreoatetóide², porém pude perceber que sua linguagem era perfeitamente estruturada. Quando ela percebia que eu não havia compreendido sua fala, ela recomeçava a frase do início, percebi que se eu repetisse a frase que ela havia dito e só parasse na palavra que eu não havia compreendido a comunicação fluía mais facilmente. Em outra oportunidade eu havia planejado que ela usasse o computador para iniciar uma possibilidade de escrita, mais uma vez Isa me surpreendeu quando depois de um esforço enorme conseguiu digitar algumas letras aleatórias, muito cansada e quase caindo da cadeira ela me pediu para deixa-la tentar mais uma vez, ela mesma indicava a posição que facilitava a atividade.
Jamais poderemos prever o nível de desenvolvimento de uma criança baseados apenas nas características apresentadas por uma deficiência.
Cada pessoa é única, cada um de nós reage de forma diferente diante das situações que nos são apresentadas, com as pessoas com deficiência também é assim, não é porque uma criança apresenta, por exemplo, Síndrome de Down, que ela vai reagir da mesma forma que uma outra da mesma idade que também apresente a Síndrome. Não podemos rotular, não podemos alimentar ideias estereotipadas a respeito das pessoas com deficiência, todas elas tem direito a oportunidades para que desenvolvam ao máximos suas potencialidades.
Perceber a deficiência como uma particularidade ou como fazendo parte da diversidade humana é um grande desafio. Precisamos ter em mente que a criança com deficiência é uma pessoa que tem direitos como qualquer outra, mas que acima de tudo precisa ter assegurada sua acessibilidade e participação em todos os espaços. Precisamos acreditar e investir, dando ferramentas e possibilidades para que cada criança com deficiência desenvolva ao máximo seu potencial e alcance seu lugar na sociedade.
Sonia Cristina de Medeiros Rocha
Fonoaudióloga, Professora especialista em Atendimento Educacional Especializado e membro do Conselho Consultivo da Lifewords Brasil.
²A paralisia cerebral coreoatetoide compreende uma alteração neurológica central, não evolutiva, que compromete o movimento e a postura, sendo caracterizada principalmente pela presença de movimentos involuntários. A criança com paralisia cerebral coreoatetoide pode apresentar movimentação involuntária de língua e de mandíbula, interferindo na dinâmica da deglutição e da fala. (https://www.scielo.br/pdf/rcefac/v12n2/37-09.pdf)
Experiências que marcaram
Refletir sobre o tema em questão me remeteu a duas experiências que marcaram bastante a minha vida. A primeira ocorreu na minha infância. Por volta dos 9 anos de idade eu estava brincando com uma de minhas primas na casa de uma vizinha amiga da família, a dona Josefina. Ela tinha um filho, chamado Juninho, de idade aproximada à nossa. Gostávamos muito de brincar juntos. Certo dia, entretanto, durante a brincadeira Juninho disse à sua mãe:
— “Mamãe, quando eu crescer vou casar com Maria”.
No mesmo instante a mãe o repreendeu e lhe disse:
— “Com Maria, não… ela é pretinha! Veja se escolhe uma branquinha para entrar na nossa família”.
Aquele comentário encheu meu coração com uma tristeza profunda, ainda que não tivesse clareza do significado exato daquelas palavras. Aquela mãe expressou uma opinião racista de forma tão natural que demonstrava total falta de noção a respeito da dor que tal ponto de vista poderia causar em todas as crianças envolvidas. Não havia vergonha ou brincadeira no tom usado, no fundo, aquelas palavras expressavam um sentimento de desvalorização e falta de respeito a uma criança. E tal discriminação foi baseada simplesmente em características biológicas e traços físicos, como a cor da pele. Uma criança foi vítima de racismo por um adulto.
A segunda experiência que vivenciei aconteceu durante uma viagem que fiz à África do Sul, país com forte tradição do apartheid, regime de segregação racial. Há vários anos, quando meu filho tinha oito anos de idade, passamos uns dias de férias num resort. Haviam muitas famílias naquele lugar, mas a grande maioria dos frequentadores era de pessoas brancas. Nós éramos uns dos poucos negros naquele ambiente. As crianças estavam brincando na piscina e de repente começou uma discussão entre dois meninos. Um deles disse com tom de voz áspero, em forma de xingamento:
— “Você é negro, não devia estar aqui”.
Houve um silêncio total no ambiente enquanto o menino ofendido saia chorando da piscina. Os pais dos dois meninos demonstraram surpresa e um grande desconforto diante daquela discussão “infantil” e retiraram-se do ambiente o mais rápido possível. Uma criança havia cometido um ato de injúria racial contra outra criança.
As duas experiências relatadas nos fazem refletir sobre os motivos de tal visão de mundo deturpada e preconceituosa ainda permanecer tão presente em nossa sociedade. Precisamos levar nossa sociedade a refletir sobre o que os pais têm ensinado aos filhos seja por meio de palavras ou de ações. Portanto, em que está baseado o valor de uma pessoa? O valor de uma pessoa deve ser estipulado por sua raça, etnia e traços físicos; por sua classe social, por suas conquistas ou por aquilo que ela acrescenta à sociedade?
Tal pai, tal filho… tal mãe, tal filha?
A infância é um período de vital importância para a formação do caráter da pessoa, estabelecimento de vínculos, aprendizagem de princípios e valores que afetarão todo o seu desenvolvimento na vida. Durante a infância e a adolescência as crianças aprenderão como tratar o outro e como desenvolver relacionamentos de forma sadia. Portanto, aquilo que receberem de suas famílias será reproduzido ao longo de suas vidas.
Há crianças que sofrem por causa do racismo e, ao mesmo tempo, há crianças que são levadas e ensinadas a reproduzirem preconceito, discriminação racial e a proferirem injúria racial contra aqueles que têm características físicas diferentes das suas. Isso tem acontecido por muito tempo, diariamente com muitas crianças em todos os lugares e ambientes, incluindo os das igrejas.
A criança, especialmente em sua mais tenra idade, ainda não tem maturidade emocional para lidar com essas questões, tanto quando são vítimas como quando cometem atos de racismo e injúria racial. Por isso, o grande questionamento da reflexão levantada seria o que pode ser feito para minimizar a dor daquelas que sofrem e para não influenciar outras crianças a cometerem atos violentos de racismo.
Crianças precisam de oportunidades para ouvir e serem ouvidas. Através do ato de falar e expor sua própria opinião e também de ouvir a opinião de outros, as crianças são orientadas a fim de que se desenvolvam de forma saudável, valorizando e respeitando a todos, livres de preconceitos absorvidos por uma sociedade que perpetua uma estrutura racista em sua dinâmica de relacionamentos. Assim sendo, é na família, na escola, na igreja, nas redes sociais, e em qualquer outro espaço que elas frequentem que esse tema precisa ser abordado com sabedoria, de forma honesta e antidiscriminatória.
Qual seria o papel da igreja em meio a tudo isso?
É necessário questionar como a igreja tem se posicionado para minimizar o impacto do racismo nas crianças e nas pessoas de maneira geral.
O racismo é uma forma de violência e como tal atinge também às crianças de maneira covarde. O tratamento desrespeitoso a alguém por causa de sua diferença étnica ou racial é considerado como crime na legislação brasileira e em muitos outros países.
Não gostamos de pensar que existe racismo nas igrejas, porém, infelizmente isso é uma realidade. Este tipo de comportamento contraria todos os ensinamentos da Palavra de Deus, que diz: “porque para Deus não há acepção de pessoas” (Romanos 2.11).
Certa ocasião, os discípulos queriam impedir as crianças de irem até Jesus (Mateus 19.13-15). Diante dessa ação discriminatória dos discípulos com pessoas, por serem crianças, Jesus os confrontou e os repreendeu. Jesus chamou as crianças, as acolheu e as abraçou. É esta atitude que se requer dos seguidores de Jesus diante das situações violentas, incluindo atos de racismo ou injuria contra as pessoas em qualquer estágio da vida.
Racismo é expressão de agressividade e redução do outro, precisa ser enfrentado e combatido. Há muitas crianças, adolescentes, jovens e adultos marcados em sua alma, e até mesmo em seus corpos, como consequência do tratamento racista que receberam em sua infância ou ao longo da vida. Alguns nem mesmo estão conscientes do que vivenciaram, e apenas passam a se conscientizar à medida que compreendem o significado de tal ato.
A igreja pode fazer toda a diferença na sociedade demonstrando de maneira prática as atitudes de Jesus diante das injustiças, desigualdades, desrespeito e desvalorização do ser humano. A igreja é um importante ambiente de aprendizagem e pode proporcionar muitas oportunidades para estimular a boa convivência das crianças e de todas as pessoas independente de etnias.
Que a igreja não reproduza nem perpetue um comportamento violento e danoso ao desenvolvimento humano e da sociedade em geral. Que o legado eclesiástico para a presente e para as novas gerações seja viver e agir à semelhança do que Jesus nos ensinou: “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo” (Mateus 22.37-39).
• Terezinha Candieiro é mestre em Artes no Programa de Desenvolvimento Integral; pós-graduada em Projetos Sociais – gestão e perspectivas; licenciada em Pedagogia com especialização em Magistério e Orientação Educacional; bacharel em Teologia com especialização em Educação Religiosa. Coordenadora geral do PEPE Internacional da Junta de Missões Mundiais da Convenção Batista Brasileira.
Em 2020, quando completamos 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069 de 13 de julho de 1990, é inadmissível que crianças e adolescentes do Brasil ainda sofram tanto com a quebra de seus direitos mais básicos, como aconteceu com a pequena Menina Capixaba, violentada dentro de casa, desrespeitada por autoridades, ameaçada por religiosos, despida por uma youtuber, insultada por professora, padre, condenada por pessoas desinformadas e cruéis.
O que será tão difícil de ser compreendido no princípio do “interesse superior da criança”? Será que fracassamos em comunicar à sociedade e ao Estado o que significa dar prioridade absoluta para as crianças e os adolescentes, pessoas vulneráveis e em desenvolvimento?
O Artigo 227 da Constituição Federal de 1988 já determinava tão claramente os direitos e garantias fundamentais das crianças e adolescentes, com responsabilidade compartilhada entre Estado, famílias e sociedade. O ECA, instrumento legal reconhecido internacionalmente, traz então o caminho para se concretizar o Artigo 227 da Constituição Federal. No entanto, ainda hoje, percebemos atitudes em relação às crianças e adolescentes brasileiros, que chocam e machucam barbaramente, a exemplo dos embaixadores pró vida, que defendem o nascimento, ignorando a vida.
O que impede as pessoas de perceberem que estão incluídas no Art. 4º do ECA como responsáveis e obrigadas, como família, membro da comunidade, da sociedade em geral, e do poder público, a assegurarem, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes? Ou seja, os meus filhos, os filhos dos outros, os órfãos, os brancos ou negros, indígenas e quilombolas, com deficiência ou não, pobres ou ricos, autores de atos infracionais, pequenos ou grandes, entre tantos outros, são todos e todas nossa responsabilidade constitucional e moral.
Talvez se o Art. 5º do ECA fosse efetivado, punindo na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, por qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, a situação mudasse no nosso país. Talvez aquele tio não se sentisse tão livre para usar uma criança desprotegida para satisfazer seus desejos perversos; talvez os religiosos não se achassem no direito de cobrar e atacar uma menina de dez anos, vítima de violência desde os seis, e ao contrário, representariam o Cristo compassivo e restaurador; a Sara Winter não quebraria os direitos de privacidade da criança, achando que o que faz é admissível; uma “professora” não teria a audácia para dizer a estupidez de que a criança deveria ter chorado e falado para a mãe, e que há 4 anos tinha uma vida sexual ativa; o padre não diria que a criança, de seis anos, consentiu a violência sobre si, “compactuou com tudo…”, “estava gostando…”; órgãos e profissionais que deveriam ser competentes para proteger, não violentariam a vítima pressionando-a; as pessoas em geral não vomitariam suas opiniões cruéis e destruidoras.
Tendo participado, representando o Projeto Calçada da Lifewords e o CONANDA na Comissão Intersetorial de Enfrentamento da Violência Sexual de Crianças e Adolescentes, da construção da Lei que instituiu a Escuta Especializada (Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017) que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, é muito frustrante e desanimador tomar conhecimento de mais uma criança revitimizada pelo sistema.
É verdade contudo, que as lindas e muitas manifestações de carinho e compaixão por parte da sociedade, por profissionais, por Cristãos que vivem o Evangelho, a rede de proteção intervindo e agindo com eficiência, nos conforta e dá esperança. Mas não podemos deixar de prestar atenção e dar voz ao que talvez esteja no grito silencioso da Menina Capixaba: crianças e adolescentes são violados diariamente, assassinados, aprisionados, negligenciados, impedidos de usufruir de oportunidades igualitárias de desenvolvimento, ignorados da norma constitucional da prioridade absoluta dos seus direitos e melhor interesse.
Ainda há tempo para mudarmos; ainda há tempo para assumirmos responsabilidade; ainda há tempo para deixarmos de lado nossas convicções morais e interesses pessoais, para dar lugar a quem deve ocupar a prioridade deste país – as crianças e os adolescentes.
Clenir Xavier, Diretora Internacional do Projeto Calçada, Lifewords
Era uma vez um menino que ainda pequenino
Foi escolhido pra morar na casa de Deus
Mas ele não sabia que um profeta seria
Toda a Israel a ele obedeceria
Quando foi dormir, uma voz então ouviu:
Samuel, Samuel, Deus te chama lá do céu
Samuel, Samuel, sê profeta de Israel;
Samuel – Aline Barros
“Samuel cresceu e teve dois filhos: Joel e Abia. A semelhança do seu pai, também foram juízes em Israel. Mas eles não seguiram as mesmas pegadas de seu pai, porém se inclinaram à avareza, aceitavam suborno e perverteram o direito dos mais vulneráveis.” I Samuel 8
Há um hiato que perpassa toda a história de Samuel e dos seus filhos. Essa lacuna é o simples fato de que Samuel não teve infância. Desde pequeno assumiu funções sacerdotais e religiosas, o que o mantinha por demais ocupado e assoberbado. Tais atribuições o tornaram profeta, sacerdote e juiz, mas não o ensinaram a ser pai. Ele não sabia ocupar essa função.
A narrativa bíblica e a canção mencionada no início desse texto não revelam que tipo de relação foi construída ou não entre pai e filhos, mas quando todos os líderes de Israel se reuniram e foram conversar com Samuel, em Ramá, o que foi dito é claro: os seus filhos não seguem o seu exemplo!
Tanta dedicação à Deus, não impediu que Samuel tivesse filhos desonestos. Tão perto, mas tão longe dos seus filhos.
O dilema de Samuel reverbera em vários personagens masculinos do Antigo Testamento: a dificuldade de compreenderem que a paternidade é um ato efetivo e social.
Mas tenho aprendido que a paternidade é socialmente muito mais fácil do que se pode imaginar, o grande desafio para nós homens é a paternagem.
A paternidade engloba um homem que se tornou biologicamente pai de alguém. Já a paternagem significa um homem que decidiu dar afeto, presença e envolvimento emocional aos seus filhos/filhas (biológicos ou não), em uma busca pela participação ativa no desenvolvimento dessa criança.
Segundo o terapeuta Guy Corneau, “é absolutamente necessário que os homens comecem a afagar seus filhos, assim abrirão para eles a porta da sensibilidade, e ao fazê-lo, descobrirão também sua própria sensibilidade. Os homens também têm um corpo, e as pessoas têm necessidade de ser tocadas para manter seu equilíbrio e saber que existem.” Homens que não tenham medo de estabelecerem conexões mais profundas e estáveis com seus filhos/filhas.
Pai ausente, filho carente é o título do livro de Corneau onde o próprio autor afirma que a origem dos problemas mais comuns entre homens é a ausência física e afetiva na relação com seus filhos/filhas.
Por que os homens têm medo da intimidade? Por que alguns recorrem à agressividade?Por que muitos se sentem levados a assumir o papel de heróis/eternos adolescentes/ conquistadores? Estas perguntas (e as suas possíveis respostas) revelam o que pode estar oculto na história de Samuel e
os seus filhos, Joel e Abia.
Eu poderia aprofundar essa questão a partir dos dados da PNAD/2015 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), que revelou que, das mais de setenta milhões de família em nosso país, 42% são lideradas por mulheres, e das trinta milhões de famílias que têm mulheres como chefe, apenas um terço têm um parceiro ao seu lado. O número de lares comandados por mulheres só
aumenta a cada ano; porém, vou ficar por aqui.
Homens como Samuel (que não são poucos) têm um exercício hercúleo pela frente: assumirem definitivamente os seus postos em conjunto com a suas esposas, na construção afetiva e efetiva da suas paternagens.
Vladimir de Oliveira | Coordenador Pedagógico/Articulador Social da Casa Semente.
Quero compartilhar uma experiência que tive envolvendo a Bolsa Verde. Eu trabalho no departamento de orientação cristã em uma escola. Nessa função acabo recebendo para aconselhamento muitos alunos com problemas comportamentais ou que demonstrem tristeza, depressão, agressão.
Um certo dia, no final das aulas, enquanto esperávamos os pais e responsáveis buscarem seus filhos, Hector, de 6 anos, estava comigo. Seus pais demoraram muito a chegar e passamos muito tempo ali juntos esperando. Quando percebi a demora, sugeri que usássemos aquele tempo para orar pelos seus pais, pois eu sabia que eles estavam se divorciando. Assim fizemos.
No dia seguinte, pedi permissão ao professor para falar com Hector e aconselhá-lo. A ferida dentro daquele menino era muito grande. Ele disse que era como se uma faca perfurasse seu coração.
Alguns dias depois da nossa conversa com a Bolsa Verde, soube que ele compartilhou com sua família o versículo da Bíblia que estava no cartão de bolso que ele escolheu. Os pais dele, meus amigos de infância, vieram me perguntar o que eu havia conversado com seu filho. Assim tive a oportunidade de apresentar Cristo novamente.
Os dois oraram e algo muito especial aconteceu: eles decidiram trabalhar juntos pelo relacionamento. Não somente a ferida no coração de Hector foi fechada, mas toda a ruptura que acontecia naquela família foi interrompida e cicatrizada. O pastor da igreja os ajudou e hoje eles fazem parte da nossa igreja. Uma simples conversa atenciosa com uma criança pode ser instrumento de Deus para a restauração de um casamento e uma família inteira.
A Bolsa Verde é uma ferramenta valiosa para curar os corações feridos de crianças e adolescentes, independentemente de raça, status social, religião. Com ela aprendi como conversar com esses pequenos. Eu gostaria de usá-la ainda mais, mas chegará a hora. Agradeço a Deus o privilégio que me deu, colocando em minhas mãos uma ferramenta com a Palavra Dele, que cura os corações partidos de crianças, adolescentes e famílias inteiras.
Escrita por Beatriz Bastos.
*O nome da criança é um pseudônimo para proteção de sua identidade.
Em 13 de julho é comemorado o aniversário do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. Em 2020 ele completa 30 anos. Sua construção deu-se com base em uma série de acontecimentos que colaboraram para sua criação, dentre eles a Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada em 1989, na Organização Nações Unidas (ONU). (mais…)
Meu nome é Amitha e tenho 14 anos. Uma mulher que conheço desde muito pequena hoje veio me contar algumas histórias. Eu também a contei muita coisa. Consegui abrir meu coração e confessar o que estava sentindo. Meu pai faleceu há um pouco mais de um ano e, apesar de parecer bem, ainda estava lutando para aceitar essa perda.
A verdade é que eu sentia uma solidão esmagadora. Odiava estar na companhia dos meus amigos ou até de outros membros da família. Eu me sentia como o vento, que ninguém pode ver.
Uma das histórias que essa mulher me contou era sobre uma ovelha que se perdia de seu dono, mas ele deixava todas as outras para encontrá-la. Ouvindo essa história, tive uma sensação de conforto e libertação. Entendi que, mesmo sem meu pai aqui, não preciso mais me sentir sozinha, tenho um Pai que pode cuidar de mim e renovar meu coração e minhas forças. Jesus está me protegendo e cuidando de mim.
Nem mesmo essa mulher, que me conhecia há tanto tempo, sabia que eu estava tão triste e sofrendo tanto. Mas, mesmo sem antes saber como eu me sentia, ela pode, usando as histórias da Bolsa Verde, ser um instrumento de Deus para limpar meu coração.
Sinto que fizemos um verdadeiro avanço hoje. Não mais me sinto invisível como o vento, mas como uma nuvem que dá chuva, permitindo que as plantas cresçam.
Publicação original na newsletter mensal da Lifewords – From The Streets, setembro 2014 – com colaboração de Beatriz Bastos.
*O nome da criança é um pseudônimo para proteção de sua identidade.
Leda é uma menina de 8 anos, magrinha e que estava sempre desarrumada. Ela vivia em conflito permanente com todos ao seu redor e andava profundamente triste e mal humorada. Na escola causava problemas com frequência e, em casa, os vizinhos reclamavam constantemente com os pais sobre seu mal comportamento.
Leda participa das atividades da igreja cristã na Venezuela, onde eu trabalho com as crianças. Chamei-a para uma conversa e resolvi usar a Bolsa Verde para contar histórias da Bíblia e assim ajudar a Leda a abrir seu coração sobre o que estava acontecendo com ela. Leda contou como se sentia ignorada e com isso ela se mostrava indiferente com todos ao seu redor. Ela se via como a natureza que não escuta nada, que não é percebida, que as pessoas realizam suas atividades do dia a dia sem notá-la. Leda tinha os olhos tristes, sem brilho, e chorou muito enquanto compartilhava sua dor. Quando estávamos terminando a conversa lhe perguntei como como estava se sentindo depois de ouvir as histórias, Leda disse que estava alegre e que agora se sentia novamente como a natureza, mas que era agora uma natureza feliz. Ela disse que sentiu um alívio em seu coração.
O Projeto Calçada chegou como uma grande benção na vida da Leda, que demonstrou rapidamente muitas mudanças. O amor de Deus se manifestou em sua vida de maneira muito clara. Agora quando eu a encontro está sempre está sempre feliz e faz amizade com todos ao seu redor.
Leda aprendeu a escrever e a ler, e está aprendendo histórias bíblicas com muita facilidade. A linda mudança divina que aconteceu por dentro, na sua autoimagem, se refletiu também para fora. Leda agora está sempre arrumadinha e com roupas combinando. Esse é o tipo de diferença simples, mas que significa muito. Hoje Leda entende como tem valor para todos nós que estamos perto dela, e também entende como Deus a vê, especial e importante, e essa transformação é percebida no seu comportamento e atitudes.
Vejo o coração da Leda é como um terreno fértil, uma floresta totalmente preparada para ser regada e cuidada. Ouvindo sobre quem é Jesus e sobre quem ela mesma é pra ele, Leda pode florescer com a chuva de bençãos que caiu na floresta de seu coração.
*O nome da criança é um pseudônimo para proteção de sua identidade.
Sempre ouvi falar da Bolsa Verde, mas nunca tive a oportunidade de conhecer de fato. Na verdade, eu sempre me senti incapaz de trabalhar com pessoas vulneráveis, pois sofro muito suas situações, principalmente porque muitas vezes não sabia o que fazer além de orar.
Um dia, a Clenir* me desafiou a fazer o curso aqui em Moçambique. Confesso que não fiquei animada. Conversei com ela sobre como eu me sentia incapaz para este trabalho. Até que ela me convenceu com o argumento de que eu poderia “ser ponte” para trazer o Projeto Calçada pra cá, sendo multiplicadora. Eu me senti mais responsável ainda e orei muito pra Deus trazer paz ao meu coração e usar a minha vida.
Foi um treinamento difícil em vários sentidos: financeiro, muito calor, problemas com o carro. A Clenir foi, uma guerreira para fazer tudo dar certo. Ela não me ensinou apenas como aconselhar crianças e adolescentes com a Bolsa Verde. Creio que ela nem imagina como Deus a usou para abençoar a minha vida!
Hoje, eu ainda me impressiono com a explicação do processo, como a “Palavra Viva” pode transformar a auto-imagem, a auto-estima, mesmo se a situação não for solucionada, há uma mudança significativa na vida de quem ouve as histórias da Bolsa Verde.
Uma das histórias que mais me marcou nesse tempo aconselhando foi a da Alice, uma adolescente de 15 anos que vive em um orfanato. Quando o pai adoeceu, a mãe foi embora de casa deixando os quatro filhos. A menor tinha 3 anos. Depois, com a morte de seu pai, os tios e vizinhos queriam ajuda a ela e seus irmãos, mas a mãe não deixava, mesmo não morando na casa. Diante disso, ela disse se sentir sozinha e abandonada.
Ela estava muito séria e parecia triste quando fomos conversar. Disse que se sentia como uma tartaruga que, quando está em perigo, tem o casco para se proteger. Um detalhe é que aqui na África, os olhos são a forma de se expressar. Parece que o rosto se congela, mas os olhos falam. Alice tinha os olhos tristes, pois disse várias vezes que se sentia abandonada pela mãe. Mas que mudança linda pode acontecer! Ao final da conversa ela disse que se sentia não como uma frágil tartaruga, mas como uma casa com alicerces bem feitos.
Hoje ela continua orando pela libertação da sua mãe, que trabalha com feitiçaria. Ela me disse que não se sente mais sozinha e que quer ser estilista de moda. Não mais tem olhos tristes, mas um olhar cheio de esperança e planos para o futuro.
Enquanto eu fazia meu treinamento, eu não entendia o motivo de aprender sobre tudo isso, pois não me identificava com os traumas da maioria. E eu nem imaginava que Deus estava me preparando não só para trabalhar com a Bolsa Verde, mas também para enfrentar um trauma na minha própria vida.
Alguns meses depois eu e minha família passamos pelo ciclone. Pronto, agora eu tinha um trauma, e dos grandes! Depois que conseguimos sair da cidade e nos comunicar, a Clenir novamente me ajudou muito, conversando comigo, me ajudando a organizar meus pensamentos e sentimentos. Ríamos muito também. Como foi importante entender o processo da cura de um trauma!
Sei que o treinamento era para eu ficar apta a ajudar crianças e adolescentes como a Alice, mas Deus fez além: usou o Projeto Calçada para me abençoar! Assim como ela, eu também experimentei mudanças incríveis da minha vida.
Educadora Zuri, Moçambique.
*Clenir Xavier é a diretora internacional do projeto Calçada
Escrito pela educadora Mayre com colaboração de Beatriz Bastos
Neste ano o Projeto Calçada está comemorando 20 anos de atuação. Essa é uma data muito especial e que tem sido esperada há muitos meses. Desde o ano passado começamos o planejamento e preparativos para as comemoração. Com a pandemia do coronavírus, alguns planos precisaram ser mudados, mas não deixamos de celebrar.
No dia 20 de junho tivemos um momento muito especial, nosso culto online em gratidão a Deus pelo aniversário. Na celebração, pudemos, mesmo de longe, comemorar juntos o que Ele tem feito pelo Projeto Calçada nesse tempo. A equipe do Brasil comandou a festa, mas multiplicadores, educadores e crianças de vários países puderam participar. Tivemos orações vindas da Colômbia, da Tanzânia, da Índia, do Zimbábue e da Uganda. Além disso, pudemos ouvir o testemunhos de educadores do Projeto Calçada, como o da Olívia, de Cabo Verde, que foi aconselhada quando criança e hoje é missionária; e a história do Dixon, um educador do Quênia que foi impactado pela Bolsa Verde já adulto. Tivemos um momento de louvor muito animado, vindo lá do Quênia, com a educadora Jane Kiarie.
Clenir Xavier, diretora internacional do Projeto Calçada, trouxe uma palavra inspiradora a partir da história de Hagar e Ismael. A missionária da Junta de Missões Mundiais e multiplicadora do PC, Carmen Lígia também contou um pouco da sua história com a Bolsa Verde.
Durante a celebração, conseguimos sentir o carinho e a admiração pela história do Projeto Calçada através dos comentários ao vivo.
Sue Davie, viúva de Hugh Davies, responsável por trazer a visão do Projeto Calçada à Lifewords em 1998, testificou que para Hugh “o projeto estava muito próximo do seu coração – ele muitas vezes tinha lágrimas nos olhos quando falava disso. Ele adoraria estar aqui!”
“Louvando a Deus por este ministério tão relevante do Projeto Calçada. Parabéns a toda equipe e as milhares de crianças abençoadas!” – também comentou ao vivo Terezinha Candieiro, coordenadora do PEPE Internacional.
Sonia Cristina Medeiros Rocha, membro do Conselho da Lifewords Brasil, reforçou a importância da metodologia ao comentar: “A Bolsa Verde é um instrumento abençoador! Que muito mais crianças possam ser atendidas pelo Projeto Calçada para sentirem suas vidas sendo transformadas!”. Bebeto Araújo, nosso parceiro, também participou e enfatizou que “a Missão Aliança é profundamente grata a Deus pela parceria frutífera e tão abençoadora com a Lifewords Brasil.”
Além da celebração online, temos produzido alguns conteúdos em comemoração pelos 20 anos. Em uma página especial, reunimos fotos, testemunhos de parceiros, histórias de transformação de crianças e adolescentes e uma campanha de doação. Você pode acessar aqui.
Mesmo em um tempo difícil como o que estamos vivendo, acreditamos que devemos nos lembrar de tantas coisas boas que passamos nesses 20 anos: cada voluntário; parceria estratégica; educadores e multiplicadores; doadores; e, cada aconselhamento realizado, que já somam mais de 75.000.
Somos gratos a Deus por tudo que Ele fez em nós e através de nós e por “essa celebração com gosto de celebração”, como descreveu Elsie Gilbert, da Rede Mãos Dadas.
Se você deseja rever ou ver a nossa celebração online, acesse aqui.