Entre sonhos e realidades: um olhar para a infância

Entre sonhos e realidades: um olhar para a infância

“Cada criança deveria ter uma placa dizendo:
Trate com cuidado, contém sonhos!”

Mirko Badiale

“Quando eu crescer quero ser… Bombeiro! Professor! Doutor! Policial!” foram os sonhos que nossos meninos e meninas compartilharam antes da pandemia da COVID-19. Um ano depois da pandemia, se considerarmos as conclusões do relatório “Acessibilidade da Educação à Distância” (The Remote Learning Reachability), a partir do fechamento das escolas, desde março de 2020, são 463 milhões de crianças em idade escolar afetadas (UNICEF, 2020), as causas são múltiplas, mas a principal é o acesso à educação a distância, que a grande maioria dos países considerou como uma ação alternativa para que pudessem continuar com as aulas.

O relatório da UNICEF destaca as condições de acessibilidade à internet em famílias de baixa renda, o que representa 72% e mesmo em famílias de renda média-alta, 86% dos alunos não têm acesso, já que grande parte deles vive em áreas rurais. É claro que os menores são os mais afetados, pois representam 70% (120 milhões de crianças) sem acesso remoto por rádio, televisão ou internet, com programas pouco eficazes de educação virtual; formação emergente de professores e nula para mães ou pais, bem como materiais adequados para o lar. Meninos e meninas do ensino primário estão nas mesmas condições e representam 29%, ou seja, 217 milhões de alunos.

Os alunos do ensino fundamental 1, que representam 24% (78 milhões, juntamente com 18% (48 milhões) do ensino fundamental 2, apresentam as mesmas situações, acrescentando ainda o pouco apoio em casa que ambos os pais lhes podem oferecer, pela complexidade das questões, que para muitos deles representa, principalmente se tiverem apenas o ensino primário ou o ensino fundamental, especialmente em países com altos índices de analfabetismo.

O isolamento tem trazido repercussões para um número crescente de crianças e adolescentes por serem submetidos à violência doméstica vinculada ao aprendizado em casa, por parte da mãe, maiormente. Por isso, é importante unir esforços para sensibilizar, tanto as mães quanto os pais, para que realizem o acompanhamento educacional dos filhos e filhas com amor e ternura. Vamos motivar nossos professores e professoras a assumirem, com responsabilidade, sua formação virtual, para que desenvolvam aprendizagens altamente significativas e compreendam a lógica da educação virtual ao não saturar os alunos e alunas com tarefas e atividades sem sentido.

Pais e mães, ouçamos atentamente estas belas palavras:

“Instrua a criança segundo os objetivos que você tem para ela, e mesmo com o passar dos anos não se desviará deles.” Provérbios 22:6 (NVI);

Vamos educar nos ensinamentos para uma vida de amor e serviço; vamos aproveitar este tempo em casa para reforçar nas nossas crianças e adolescentes, atitudes e valores de autoestudo, responsabilidade, organização, atenção, habilidades digitais e de estudo, capacidade criativa, entre outras, que lhes permitirão, diante dessa realidade dolorosa, continuarem sonhando para construir novos sonhos através de um projeto de vida familiar. Lembre-se que projetos e sonhos nascem em casa, envolvendo todo o ambiente.

Esforcemo-nos para que nossos sonhos se tornem realidade, porque a cada dia colocamos um grãozinho de areia de esforço, dedicação e disciplina:

“Seja forte e corajoso! Não se apavore, nem desanime, pois o SENHOR, o seu Deus, estará com você por onde você andar”. Josué 1:9 (NTLH).

Coragem! Vamos nos preparar para voltar às aulas com um projeto de vida e com sonhos renovados para sermos uma humanidade melhor, porque melhorar as condições atuais da infância e da adolescência exige pessoas com novo vigor, conhecimento e responsabilidade. E essa pessoa é você!

Escritor por Leticia Ramírez Rodríguez – Mexicana, voluntária do Projeto Calçada. Professora em Produção Editorial pelo Instituto de Investigação em Ciências Humanas e Sociais IIHCS e pela Faculdade de Letras da UAEM; Estagiária do Mestrado em Desenvolvimento Educacional e Inovação da UPN; Licenciada em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia e Letras da UNAM; Estagiária do Mestrado em Ciências Bíblicas pela Comunidade Teológica do México.


Fontes de consulta
Bible Gateway (2021). Consultado el 14 de marzo de 2021.
UNICEF (2021). COVID-19: Are children able to continue learning during school closures? Consultado el 13 de
marzo de 2021.
UNICEF (2020). “Una tercera parte de los niños…”  Consultado el 13 de
marzo de 2021.

“obrigado Deus porque você me deu amigos!”

“obrigado Deus porque você me deu amigos!”

Fernando* tem 12 anos, mas eu o conheci quando tinha apenas 5 anos, e começou a frequentar as atividades que a igreja realiza com as crianças do bairro onde ele morava, na periferia de Lima, Peru. Sua mãe luta sozinha para sustentar seus filhos, em uma situação limitada de recursos econômicos. Quando começou a participar das atividades, Fernando tinha um comportamento agressivo e violento. No bairro as crianças brincavam juntas na rua, mas Fernando era excluído, porque sempre brigava. Ele não conseguia controlar seu temperamento e isso tornava difícil o relacionamento com as crianças da vizinhança.

 
Quando estava na igreja os problemas eram os mesmos, ele batia nas outras crianças, queria sempre brincar de luta, e por causa disso, diziam que ele não deveria estar lá. Embora fosse difícil para a equipe lidar com a agressividade do Fernando, nem mesmo consideramos proibi-lo de participar, porque todos nós merecemos a graça e a misericórdia de nosso amado Criador. Fernando foi ficando cada vez mais violento, havia muita raiva no seu interior e ele descontava nas crianças mais novas, causando reclamação das mães. Oramos pedindo ao Senhor Todo-Poderoso que nos desse uma solução ou estratégia para acalmar o temperamento do Fernando, que não melhorava com a imposição de regras, porque ele não tinha o menor respeito pelas regras, pois criava as suas próprias.

 
Um dia decidimos fazer uma festa surpresa porque era o seu aniversário, muitos reclamaram dizendo estávamos recompensando seu mau comportamento, mas na realidade queríamos que ele se sentisse amado e, acima de tudo, que sentisse o amor de Deus, aquele amor que o mundo não pode dar. Na hora de cortar o bolo, perguntamos se ele queria orar, e me lembro que a voz dele falhou. Com a voz embargada ele disse: obrigado Deus porque você me deu amigos. A partir daquela data a amizade com os meninos do bairro melhorou, Fernando continuou com o temperamento difícil, mas tínhamos conseguido que os outros meninos o considerassem amigo, isso deveria ajudar.

 

Em uma conferência missionária ouvi falar sobre o Projeto Calçada e percebi que era o que precisávamos para as crianças da igreja. Foi uma expectativa até que a capacitação acontecesse. No primeiro aconselhamento com a Bolsa Verde Fernando, que já tinha 7 anos, contou como sentia raiva, porque sua mãe batia nele. Ele disse: sinto raiva, como um urso que quer atacar. Começamos a entender os motivos por trás da sua agressividade. No final aquele encontro Fernando desenhou- se ao lado de Jesus, e disse que se sentia feliz porque Jesus o cuida e protege. Nas semanas seguintes percebemos mudanças positivas no seu comportamento, fez amigos e sua agressividade diminuiu. Mas a vida continuava difícil para ele, porque não tinha um pai ao seu lado, e sua mãe trabalhava muito e não podia cuidar adequadamente dele e dos irmãos. Ainda notando que ele precisava de ajuda, fiz outro aconselhamento com a Bolsa Verde alguns meses depois, e vi o maravilhoso poder de Jesus curar suas feridas e seu lindo coração.

 

Quando Fernando tinha 10 anos, estava entrando na adolescência e começou a ter problemas. A Bolsa Verde novamente o ajudou a abrir seu coração e foi um canal do amor de Deus para Fernando. Quando estávamos terminando aquele encontro ele disse que se sentia forte como um leão, que se sentia seguro e que confiava em Deus. Sua mãe me agradeceu muito e disse que seu filho estava apresentando grandes mudanças.

 

Hoje Fernando não mora mais no bairro onde trabalhamos com as crianças, pois sua mãe achou conveniente levá-lo para um lugar com melhores condições para ele crescer, além disso, a situação econômica da família também melhorou. Fico emocionada de dizer que hoje ele é um adolescente de 12 anos com objetivos claros e muito gentil, o Fernando agressivo ficou no passado. Ele disse que quer ajudar outras crianças que passaram pelo que ele passou, que essa é sua maneira de agradecer a Deus por tudo o que vem construindo em sua vida.

 


Escrita por Cleisse Andrade com a colaboração da educadora que teve seu nome preservado por questões de proteção à criança.

*O nome da criança é um pseudônimo para proteção de sua identidade.

Como podemos trabalhar a prevenção da gravidez na adolescência?

Como podemos trabalhar a prevenção da gravidez na adolescência?

Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência. 

E como podemos trabalhar a prevenção da gravidez na adolescência? – Introduzindo uma reflexão sobre possibilidades de práticas preventivas nessa temática.

A Lei N° 13.798, de 03 de janeiro de 2019, considera a semana que inclua o dia primeiro de fevereiro como a Semana Nacional de Prevenção da Gestação na Adolescência. Assim, esse texto tem como objetivo introduzirmos, juntamente com o leitor, uma breve reflexão sobre a Prevenção Primária de mais essa complexa e crescente problemática de Saúde Pública, a nível Nacional – Gravidez na Adolescência.

Em nosso imenso território brasileiro a Gravidez na Adolescência encontra-se presente em uma variedade de contextos sociais, econômicos, culturais, familiares, individuais e, consequentemente com demandas e repercussões que requerem uma avaliação detalhada, contextualizada, ampliada e especifica, comunitária e singular, em se tratando de propor prevenção nesse tema. Contudo, é fundamental construir, planejar e avaliar conjuntamente com cada público alvo à prevenção da incidência de agravamentos na Saúde de Crianças e Adolescentes, em especial, à Gestação na Adolescência.

Importa enfatizar que aqui estamos diante de uma sobreposição de complexidades: Adolescência (s) e Gravidez na Adolescência (s). Portanto, trabalhar esses temas (Adolescência e Gravidez), e com o público alvo de protagonistas em diversos cenários, é preciso atentar para vários aspectos de extrema relevância na diversidade e singularidade de cada gestante, do casal gestante, da (s) família (s). Assim sendo, desafios pensáveis e inimagináveis podem permear uma proposta de orientação com vistas à Prevenção da Gravidez na Adolescência. Contudo, é gratificante, enquanto despertar e acender de luzes em mais um ponto extremamente relevante à Saúde Integral e à Política de Proteção de Crianças e adolescentes.

Pensar e trabalhar à prevenção da Gravidez na Adolescência é imprescindível incluir vários outros temas
correlacionados, a exemplo: Adolescência, Puberdade, Sexualidade, Educação para Sexualidade Saudável, Saúde Sexual, Família e Sexualidade, Mitos e Tabus sobre Educação Sexual, Saúde e Planejamento Familiar, Contracepção e Métodos Contraceptivos, Saúde da Gestante, Maternidade e Paternidade, Infecções Sexualmente Transmissíveis, Saúde Mental, Sonhos e Projeto de vida, Gestação e Pré-natal, Abstinência do Uso de Álcool e Outra Drogas na Gravidez – Prevenção da Síndrome Alcoólica Fetal (SAF), Saúde Fetal e do Recém-nato, Parto, Pós-parto, Prevenção de Reincidência da Gestação na Adolescência, e inúmeros recortes e desdobramentos que podem surgir ao abordar a prevenção individualmente, ou em grupo com os adolescentes, famílias e educadores.

Importa também a atenção a aspectos, elementares nos trabalhos de prevenção, como por exemplo:

-Qual o Nível de Prevenção?

-Qual o público (com adolescentes, com pais e/ou responsáveis, com educadores?)

-Como vamos trabalhar (individual, grupo)?

-Quais questões, ou outros temas, o grupo prioriza e propõe dialogar?

E muitas outras questões que cada pessoa, grupo ou proposta especifica vai requerer no planejamento, na implantação, implementação e desenvolvimento de uma proposta preventiva contextualizada aos seus específicos protagonistas e contextos.

Neste texto, elegemos como grupo de prevenção pais e/ou responsáveis e educadores. E, a partir de casos relatados nas ministrações de cursos, palestras, encontros, seminários e atendimentos clínicos procuramos destacar alguns pontos relevantes ao aqui proposto – Introduzir reflexão sobre Prevenção Primária da Gravidez na Adolescência.

“Na minha casa era proibido falar de sexo. Minha irmã mais velha ficou grávida na adolescência, foi tudo muito triste. Meu pai bateu muito nela, ela saiu de casa. Ele falava gritando: por causa da safadeza dela, ela ficou grávida e você vai fazer também?”

“Ninguém me falava dessas coisas, e ainda criança comecei a ter sexo. Era assim mesmo na minha casa,
com minha bisa, com minha avó e minha mãe. Fiquei grávida antes de ver minha primeira menstruação.”

“Quando tive minha primeira filha, eu tinha quatorze anos. Na minha primeira relação sexual, com meu
colega de escola, fiquei grávida. Ele falou que não estava preparado para ser pai, fiquei com minha filha.
Minha família me apoiou, mas a responsabilidade de cuidar era minha. Eu era uma criança cuidando de
outra. Parei os estudos, sonhos mudaram.”

“Eu sou tia, ela tem 13 anos, pouco tempo que veio de outro estado para morar comigo, e agora tem uma
dor na barriga que não melhora com os remédios.” Ao exame da obstetra: abdome compatível com
gestação no sétimo mês. Quanta dor, quanto sofrimento vimos naquela história e consulta.

A partir dos exemplos acima citados, e pelas particularidades, ainda que sumariamente descritos, muito podemos refletir, dialogar e aprender sobre como sendo um pai, uma mãe, um responsável, um educador podemos fazer diferente, promovendo proteção e prevenção? Como agir de maneira saudável, humana, respeitosa para com uma criança, um adolescente promovendo à Prevenção da Gravidez na Adolescência?

Para o alcance desses desafios, aos pais e educadores destacamos:
-A prevenção da gestação na adolescência não é um fenômeno que acontece de repente, ou quando inicia
o aparecimento dos sinais de início da puberdade. Ela pode estar inserida, fazer parte da educação para o
crescimento e desenvolvimento saudável da pessoa (meninas e meninos).

-Assim, naturalmente inclusa nos processos de Educação, Orientação Sexual, e especificamente abordada, reforçada, evidenciada, sempre que se avaliar necessário nos ambientes socioeducativos, em especial, nas famílias.

-A educação sexual deve ser iniciada nos primeiros anos de vida da criança e continuar durante todo processo de crescimento, desenvolvimento pessoal.

-Nenhum ambiente atuando sozinho (família, escola, espaços a serviço da criança e do adolescente) promove isoladamente a educação sexual e prevenção do tema em foco.

-Pais, educadores, instituições sociais e educacionais integram setores e intersetores responsáveis por esse processo.

Como então enfatizamos, a Prevenção da Gravidez na Adolescência e sua reincidência significa muito mais do que uma simples informação ou instrução a respeito dos fenômenos de reprodução humana (aspectos anatômicos, biológicos e fisiológicos) e gravidez. Significa um processo progressivo de orientação, referência, vínculo, respeito, afetividade, empatia, diálogo, escuta, etc. Assim como, de informação, contextualização social, cultural, individual, familiar, coletiva e comunitária – Uma questão de Saúde Púbica e de Proteção da Infância e Adolescência. Prevenção – MELHOR OPÇÃO!


Joseana de Oliveira Menezes Galvão – Médica com Pós-Graduação em Sexualidade,
Terapia Familiar Sistêmica, Problemas Relacionados ao Uso de Álcool e Outras Drogas, capacitadora do
programa Claves Brasil, e membro do conselho consultivo da Associação Lifewords Brasil.

Dando Voz aos Adolescentes na Pandemia

Dando Voz aos Adolescentes na Pandemia

A pandemia pelo novo Coronavírus tem provocando mudanças consideráveis na nossa sociedade de maneira global, sobretudo decorrente da necessidade do isolamento social, para a redução da proliferação do vírus. Esse é, sem dúvida, um tempo de muitas incertezas, temores e prudência, dado ao número de contaminados e perdas de mais de 1 milhão de vidas no mundo.

Querendo ouvir o que estão pensando e sentindo os adolescentes nesse tempo de pandemia fizemos uma conversa individual com 4 deles, de 3 países: Brasil, Venezuela e El Salvador. Eles têm idade entre 13 e 17 anos. Suas respostas nos surpreenderam, e pudemos compreender um pouco como a pandemia tem afetado seus sentimentos, relacionamentos familiares e de amizade, rotina, vida escolar e seus pensamentos quanto ao futuro. Você pode acompanhar as conslucões como nas respostas de *I.M. que descreveu seus sentimentos de forma bem direta ao ser perguntada sobre seu pensamento em relação ao tempo de pandemia:

Quando penso nesse tempo de pandemia sinto um desespero e ansiedade. Como se eu estivesse parada por muito tempo sem poder fazer nada. Minha rotina tem sido normal, porém mais cansativa. Tenho estudado mais durante o dia do que qualquer outra coisa… Acredito que o que mais mudou foi a minha disposição e determinação. Achei que seria mais complicado (ficar dentro de casa com a minha família). De vez em quando ocorrem alguns desentendimentos, mas são resolvidos rapidamente. Quando penso sobre o futuro, acho que é algo muito incerto mas sinto que vai ser totalmente diferente e mais corrido que antes. Acredito também que as pessoas estarão mais amáveis e calorosas.

Os adolescentes também relataram seus sentimentos de tristeza e estranheza em relação as suas atividades eclesiásticas e relacionamentos sem toque com os amigos. *T.C. disse estar “um pouco triste, porque não estamos indo à igreja como antes.” Mesmo assim, demosntra esperança ao declarar saber que “Deus tem uma saída pra nós.”

Quanto a ter notícias dos amigos, eu tenho contato com eles pelo celular. Às vezes eu desço do prédio e encontro duas amigas e ficamos conversando. Na igreja também os vejo. No começo foi estranho, por causa da máscara, depois foi bom, mesmo não podendo tocar. – afirma I.M.

Outro grande impacto descrito pelos adolescentes foi em relação a educação e o processo de aprendizado. Aos 17 anos, *G.M. tinha grandes expectativas para o ano escolar:

Quando penso nesse tempo de pandemia… é uma confusão de sentimentos, estou no meu último ano do Ensino Médio e com a pandemia todos os meus planos, que foram pensados desde o 7° ano, de viver o melhor ano escolar da minha vida, foram pelo ralo, então é meio frustrante… mas ao mesmo tempo ela me proporcionou um autoconhecimento que nunca teria alcançado se estivesse na rotina normal, e por isso talvez gratidão me defina. Estou tendo aula por meio de um aplicativo. Temos tido aula em horário normal (07h30 as 12h50). Tem sido horrível! (risos) Raramente consigo pegar o horário das aulas e acabo focando nas que foram gravadas pelos professores e nas atividades que eles mandam.

A resiliência encontrada nas falas dos adolescentes entrevistados também nos motivou a crer na esperança de novos tempos. *R.P. crê que a pandemia irá trazer “uma sociedade completamente diferente, pensando de maneira diferente.”

Quando penso no futuro sinto… Medo e uma pitada de ânimo, o mundo está meio que de cabeça para baixo, pensar no mercado de trabalho, faculdade, finanças e saúde mental enquanto tudo isso acontece é mega desesperador. Mas, ainda assim fico na esperança de que tudo vai melhorar e as coisas vão acontecer da melhor forma para mim! Está tudo incerto, mas há esperança, as cores mostram a esperança.

Declara I.M., que descreveu seu sentimento com o desenho feito por ela e que ilustra este relato: “Esse desenho é como se fosse uma pessoa que durante esse tempo passou por coisas difíceis e não conseguiu se reerguer ou lidar com isso. Mas as outras pessoas passam coisas boas, assim preenchendo o vazio com apenas um toque (que ainda não é possível cumprir). Acho que é isso.” – finaliza.

Foi uma experiência muito enriquecedora escutar os adolescentes. Eles se sentiram muito valorizados em saber que alguém estava interessando em ouvir o que pensavam e sentiam, ressaltando que de fato, não é uma atividade comum, quanto é necessária. Mesmo sendo de três realidades culturais diferentes, observamos que eles têm sentimentos e pensamentos muito semelhantes quando expressam o que tem vivido durante pandemia.

Animamos aos que lerem esse relato, que escutem os adolescentes de sua família ou os que estejam próximos, não somente em tempo de pandemia. Se tivermos a sensibilidade necessária, poderemos escutar com empatia o coração de cada adolescente e entender seus sentimentos, oferecer apoio aos que necessitam e também apreciar seu olhar sobre a vida, o mundo e sobre o futuro.

Esse relato é baseado no material apresentado no curso Sociologia da Criança, ministrado pelo Professora Dra. Silvana Bezerra Magalhães, como curso de extensão do CEFET, cujo grupo foi formado por: Carmen Ligia Ferreira de Andrade – Multiplicadora do Projeto Calçada, Cleisse Denise Ferreira de Andrade – Coordenadora do Projeto Calçada na América Latina  e Luciana Falcão da Silva – Coordenadora do Projetro Calçada no Brasil.

* I.M., mora em São Gonçalo/RJ, gênero feminino, religião cristã, pais divorciados. Mora com a mãe e seu esposo. O pai possui dois cursos superiores e a mãe possui o superior incompleto.

* T.C., 13 anos, vive em Acarigua, Venezuela. É do gênero feminino, religião cristã e tem o pai e a mã pós-graduando.

* R.P., vive em Ahuachapan, El Salvador. É do gênero masculino, religião cristã e tem o pai preso por violência doméstica e uso de drogas. A mãe é dependente química e os abandonou. Atualmente, ele mora com a tia, que possui curso superior.

*G.M., 17 anos, mora em São Gonçalo/RJ. Gênero feminino, religião cristã, pais divorciados, mas mora com a mãe e seu esposo. O pai possui dois cursos superiores e a mãe o superior incompleto.

O Olhar para a deficiência paralisa, mas o olhar para as possibilidades nos impulsiona

O Olhar para a deficiência paralisa, mas o olhar para as possibilidades nos impulsiona

Não estamos preparados para receber uma criança com deficiência, os pais, avós, tios e professores, todos se deparam com uma situação desafiadora quando são confrontados com essa realidade. Na maioria das vezes não sabemos como reagir e nos sentimos incapacitados para atender às necessidades que se apresentam diante de nós. A primeira reação que pode se apresentar é um sentimento de piedade, ficamos tristes por achar que aquela criança está fadada a uma vida de perdas, não sabemos como interagir, não sabemos nem mesmo o que esperar.

Um dos princípios fundamentais que apendi ao longo de décadas de trabalho com Educação Especial foi que ao me deparar com uma criança com deficiência é necessário desviar o foco do que lhe falta, e estar atentos às possibilidades que aquela pessoa que está diante de nós apresenta. Não podemos nos deixar sucumbir ao sentimento de piedade e superproteção, não dá para dizer que não somos capacitados para interagir, a criança está ali, diante de nós e nossa responsabilidade é dar uma resposta às suas necessidade. Quando enxergamos além da deficiência conseguimos ver as possibilidades, a deficiência nos paralisa mas as possibilidades nos inspiram e impulsionam para buscarmos novos caminhos, seja em relação ao aprendizado ou ao convívio social.

Tendo trabalhado por muito tempo com pessoas com deficiência, tive oportunidades de atuar junto a crianças e adolescentes surdos, crianças com Deficiência Intelectual e pessoas cegas ou com baixa visão. Não havia atuado, nem me sentia motivada a atuar com crianças com paralisia cerebral¹ ou com múltiplas deficiências. Quando via colegas de trabalho interagindo oralmente com crianças com paralisia cerebral, que não andavam, não falavam, algumas nem sequer conseguiam dar um aceno, crianças que aparentemente não entendiam nada do que acontecia ao seu redor, eu pensava que aquelas colegas estavam falando sozinhas, que não havia nenhum tipo de correspondência por parte da criança.

Finalmente tive oportunidade de trabalhar com alunos com paralisia cerebral, todos eles me surpreendiam a cada encontro, uma delas, em especial, me marcou muito porque a escola afirmava que a criança não falava e não compreendia a linguagem oral, embora a mãe afirmasse o contrário. Vou chama-la de Isa, ela estava então com 8 anos. Essa criança não andava e, aparentemente não falava, ela apresentava paralisia cerebral com movimentos involuntários que a obrigavam a ficar literalmente presa na cadeira de rodas para que não escorregasse. Comecei o trabalho com a Isa, e a cada dia me surpreendia com suas possibilidades, um dia ela me contou algo sobre sua família, era necessário um esforço muito grande para que as palavras fossem articuladas, a fala era difícil por sua condição coreoatetóide², porém pude perceber que sua linguagem era perfeitamente estruturada. Quando ela percebia que eu não havia compreendido sua fala, ela recomeçava a frase do início, percebi que se eu repetisse a frase que ela havia dito e só parasse na palavra que eu não havia compreendido a comunicação fluía mais facilmente. Em outra oportunidade eu havia planejado que ela usasse o computador para iniciar uma possibilidade de escrita, mais uma vez Isa me surpreendeu quando depois de um esforço enorme conseguiu digitar algumas letras aleatórias, muito cansada e quase caindo da cadeira ela me pediu para deixa-la tentar mais uma vez, ela mesma indicava a posição que facilitava a atividade.

Jamais poderemos prever o nível de desenvolvimento de uma criança baseados apenas nas características apresentadas por uma deficiência.

Cada pessoa é única, cada um de nós reage de forma diferente diante das situações que nos são apresentadas, com as pessoas com deficiência também é assim, não é porque uma criança apresenta, por exemplo, Síndrome de Down, que ela vai reagir da mesma forma que uma outra da mesma idade que também apresente a Síndrome. Não podemos rotular, não podemos alimentar ideias estereotipadas a respeito das pessoas com deficiência, todas elas tem direito a oportunidades para que desenvolvam ao máximos suas potencialidades.

Perceber a deficiência como uma particularidade ou como fazendo parte da diversidade humana é um grande desafio. Precisamos ter em mente que a criança com deficiência é uma pessoa que tem direitos como qualquer outra, mas que acima de tudo precisa ter assegurada sua acessibilidade e participação em todos os espaços. Precisamos acreditar e investir, dando ferramentas e possibilidades para que cada criança com deficiência desenvolva ao máximo seu potencial e alcance seu lugar na sociedade.

Sonia Cristina de Medeiros Rocha
Fonoaudióloga, Professora especialista em Atendimento Educacional Especializado e membro do Conselho Consultivo da Lifewords Brasil.


¹Paralisia cerebral é uma lesão permanente e não progressiva do sistema nervoso em desenvolvimento que afeta o tônus, os reflexos e as posturas, comprometendo o desenvolvimento motor do indivíduo. (https://residenciapediatrica.com.br/detalhes/342/paralisia%20cerebral)

²A paralisia cerebral coreoatetoide compreende uma alteração neurológica central, não evolutiva, que compromete o movimento e a postura, sendo caracterizada principalmente pela presença de movimentos involuntários. A criança com paralisia cerebral coreoatetoide pode apresentar movimentação involuntária de língua e de mandíbula, interferindo na dinâmica da deglutição e da fala. (https://www.scielo.br/pdf/rcefac/v12n2/37-09.pdf)

Racismo e infância: uma receita de sofrimento e reprodução de conceitos

Racismo e infância: uma receita de sofrimento e reprodução de conceitos

Experiências que marcaram
Refletir sobre o tema em questão me remeteu a duas experiências que marcaram bastante a minha vida. A primeira ocorreu na minha infância. Por volta dos 9 anos de idade eu estava brincando com uma de minhas primas na casa de uma vizinha amiga da família, a dona Josefina. Ela tinha um filho, chamado Juninho, de idade aproximada à nossa. Gostávamos muito de brincar juntos. Certo dia, entretanto, durante a brincadeira Juninho disse à sua mãe:

— “Mamãe, quando eu crescer vou casar com Maria”.

No mesmo instante a mãe o repreendeu e lhe disse:

— “Com Maria, não… ela é pretinha! Veja se escolhe uma branquinha para entrar na nossa família”.

Aquele comentário encheu meu coração com uma tristeza profunda, ainda que não tivesse clareza do significado exato daquelas palavras. Aquela mãe expressou uma opinião racista de forma tão natural que demonstrava total falta de noção a respeito da dor que tal ponto de vista poderia causar em todas as crianças envolvidas. Não havia vergonha ou brincadeira no tom usado, no fundo, aquelas palavras expressavam um sentimento de desvalorização e falta de respeito a uma criança. E tal discriminação foi baseada simplesmente em características biológicas e traços físicos, como a cor da pele. Uma criança foi vítima de racismo por um adulto.

A segunda experiência que vivenciei aconteceu durante uma viagem que fiz à África do Sul, país com forte tradição do apartheid, regime de segregação racial. Há vários anos, quando meu filho tinha oito anos de idade, passamos uns dias de férias num resort. Haviam muitas famílias naquele lugar, mas a grande maioria dos frequentadores era de pessoas brancas. Nós éramos uns dos poucos negros naquele ambiente. As crianças estavam brincando na piscina e de repente começou uma discussão entre dois meninos. Um deles disse com tom de voz áspero, em forma de xingamento:

— “Você é negro, não devia estar aqui”.

Houve um silêncio total no ambiente enquanto o menino ofendido saia chorando da piscina. Os pais dos dois meninos demonstraram surpresa e um grande desconforto diante daquela discussão “infantil” e retiraram-se do ambiente o mais rápido possível. Uma criança havia cometido um ato de injúria racial contra outra criança.

As duas experiências relatadas nos fazem refletir sobre os motivos de tal visão de mundo deturpada e preconceituosa ainda permanecer tão presente em nossa sociedade. Precisamos levar nossa sociedade a refletir sobre o que os pais têm ensinado aos filhos seja por meio de palavras ou de ações. Portanto, em que está baseado o valor de uma pessoa? O valor de uma pessoa deve ser estipulado por sua raça, etnia e traços físicos; por sua classe social, por suas conquistas ou por aquilo que ela acrescenta à sociedade?

Tal pai, tal filho… tal mãe, tal filha?

A infância é um período de vital importância para a formação do caráter da pessoa, estabelecimento de vínculos, aprendizagem de princípios e valores que afetarão todo o seu desenvolvimento na vida. Durante a infância e a adolescência as crianças aprenderão como tratar o outro e como desenvolver relacionamentos de forma sadia. Portanto, aquilo que receberem de suas famílias será reproduzido ao longo de suas vidas.

Há crianças que sofrem por causa do racismo e, ao mesmo tempo, há crianças que são levadas e ensinadas a reproduzirem preconceito, discriminação racial e a proferirem injúria racial contra aqueles que têm características físicas diferentes das suas. Isso tem acontecido por muito tempo, diariamente com muitas crianças em todos os lugares e ambientes, incluindo os das igrejas.

A criança, especialmente em sua mais tenra idade, ainda não tem maturidade emocional para lidar com essas questões, tanto quando são vítimas como quando cometem atos de racismo e injúria racial. Por isso, o grande questionamento da reflexão levantada seria o que pode ser feito para minimizar a dor daquelas que sofrem e para não influenciar outras crianças a cometerem atos violentos de racismo.

Crianças precisam de oportunidades para ouvir e serem ouvidas. Através do ato de falar e expor sua própria opinião e também de ouvir a opinião de outros, as crianças são orientadas a fim de que se desenvolvam de forma saudável, valorizando e respeitando a todos, livres de preconceitos absorvidos por uma sociedade que perpetua uma estrutura racista em sua dinâmica de relacionamentos. Assim sendo, é na família, na escola, na igreja, nas redes sociais, e em qualquer outro espaço que elas frequentem que esse tema precisa ser abordado com sabedoria, de forma honesta e antidiscriminatória.

Qual seria o papel da igreja em meio a tudo isso?

É necessário questionar como a igreja tem se posicionado para minimizar o impacto do racismo nas crianças e nas pessoas de maneira geral.

O racismo é uma forma de violência e como tal atinge também às crianças de maneira covarde. O tratamento desrespeitoso a alguém por causa de sua diferença étnica ou racial é considerado como crime na legislação brasileira e em muitos outros países.

Não gostamos de pensar que existe racismo nas igrejas, porém, infelizmente isso é uma realidade. Este tipo de comportamento contraria todos os ensinamentos da Palavra de Deus, que diz: “porque para Deus não há acepção de pessoas” (Romanos 2.11).

Certa ocasião, os discípulos queriam impedir as crianças de irem até Jesus (Mateus 19.13-15). Diante dessa ação discriminatória dos discípulos com pessoas, por serem crianças, Jesus os confrontou e os repreendeu. Jesus chamou as crianças, as acolheu e as abraçou. É esta atitude que se requer dos seguidores de Jesus diante das situações violentas, incluindo atos de racismo ou injuria contra as pessoas em qualquer estágio da vida.

Racismo é expressão de agressividade e redução do outro, precisa ser enfrentado e combatido. Há muitas crianças, adolescentes, jovens e adultos marcados em sua alma, e até mesmo em seus corpos, como consequência do tratamento racista que receberam em sua infância ou ao longo da vida. Alguns nem mesmo estão conscientes do que vivenciaram, e apenas passam a se conscientizar à medida que compreendem o significado de tal ato.

A igreja pode fazer toda a diferença na sociedade demonstrando de maneira prática as atitudes de Jesus diante das injustiças, desigualdades, desrespeito e desvalorização do ser humano. A igreja é um importante ambiente de aprendizagem e pode proporcionar muitas oportunidades para estimular a boa convivência das crianças e de todas as pessoas independente de etnias.

Que a igreja não reproduza nem perpetue um comportamento violento e danoso ao desenvolvimento humano e da sociedade em geral. Que o legado eclesiástico para a presente e para as novas gerações seja viver e agir à semelhança do que Jesus nos ensinou: “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo” (Mateus 22.37-39).

• Terezinha Candieiro é mestre em Artes no Programa de Desenvolvimento Integral; pós-graduada em Projetos Sociais – gestão e perspectivas; licenciada em Pedagogia com especialização em Magistério e Orientação Educacional; bacharel em Teologia com especialização em Educação Religiosa. Coordenadora geral do PEPE Internacional da Junta de Missões Mundiais da Convenção Batista Brasileira.

Publicado originalmente no portal da Editora Ultimato: http://bit.ly/racismo-infacia

Quem de fato tem a prioridade absoluta no Brasil?

Quem de fato tem a prioridade absoluta no Brasil?

Em 2020, quando completamos 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069 de 13 de julho de 1990, é inadmissível que crianças e adolescentes do Brasil ainda sofram tanto com a quebra de seus direitos mais básicos, como aconteceu com a pequena Menina Capixaba, violentada dentro de casa, desrespeitada por autoridades, ameaçada por religiosos, despida por uma youtuber, insultada por professora, padre, condenada por pessoas desinformadas e cruéis.

O que será tão difícil de ser compreendido no princípio do “interesse superior da criança”? Será que fracassamos em comunicar à sociedade e ao Estado o que significa dar prioridade absoluta para as crianças e os adolescentes, pessoas vulneráveis e em desenvolvimento?

O Artigo 227 da Constituição Federal de 1988 já determinava tão claramente os direitos e garantias fundamentais das crianças e adolescentes, com responsabilidade compartilhada entre Estado, famílias e sociedade. O ECA, instrumento legal reconhecido internacionalmente, traz então o caminho para se concretizar o Artigo 227 da Constituição Federal. No entanto, ainda hoje, percebemos atitudes em relação às crianças e adolescentes brasileiros, que chocam e machucam barbaramente, a exemplo dos embaixadores pró vida, que defendem o nascimento, ignorando a vida.

O que impede as pessoas de perceberem que estão incluídas no Art. 4º do ECA como responsáveis e obrigadas, como família, membro da comunidade, da sociedade em geral, e do poder público, a assegurarem, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes? Ou seja, os meus filhos, os filhos dos outros, os órfãos, os brancos ou negros, indígenas e quilombolas, com deficiência ou não, pobres ou ricos, autores de atos infracionais, pequenos ou grandes, entre tantos outros, são todos e todas nossa responsabilidade constitucional e moral.

Talvez se o Art. 5º do ECA fosse efetivado, punindo na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, por qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, a situação mudasse no nosso país. Talvez aquele tio não se sentisse tão livre para usar uma criança desprotegida para satisfazer seus desejos perversos; talvez os religiosos não se achassem no direito de cobrar e atacar uma menina de dez anos, vítima de violência desde os seis, e ao contrário, representariam o Cristo compassivo e restaurador; a Sara Winter não quebraria os direitos de privacidade da criança, achando que o que faz é admissível; uma “professora” não teria a audácia para dizer a estupidez de que a criança deveria ter chorado e falado para a mãe, e que há 4 anos tinha uma vida sexual ativa; o padre não diria que a criança, de seis anos, consentiu a violência sobre si, “compactuou com tudo…”, “estava gostando…”; órgãos e profissionais que deveriam ser competentes para proteger, não violentariam a vítima pressionando-a; as pessoas em geral não vomitariam suas opiniões cruéis e destruidoras.

Tendo participado, representando o Projeto Calçada da Lifewords e o CONANDA na Comissão Intersetorial de Enfrentamento da Violência Sexual de Crianças e Adolescentes, da construção da Lei que instituiu a Escuta Especializada (Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017) que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, é muito frustrante e desanimador tomar conhecimento de mais uma criança revitimizada pelo sistema.

É verdade contudo, que as lindas e muitas manifestações de carinho e compaixão por parte da sociedade, por profissionais, por Cristãos que vivem o Evangelho, a rede de proteção intervindo e agindo com eficiência, nos conforta e dá esperança. Mas não podemos deixar de prestar atenção e dar voz ao que talvez esteja no grito silencioso da Menina Capixaba: crianças e adolescentes são violados diariamente, assassinados, aprisionados, negligenciados, impedidos de usufruir de oportunidades igualitárias de desenvolvimento, ignorados da norma constitucional da prioridade absoluta dos seus direitos e melhor interesse.

Ainda há tempo para mudarmos; ainda há tempo para assumirmos responsabilidade; ainda há tempo para deixarmos de lado nossas convicções morais e interesses pessoais, para dar lugar a quem deve ocupar a prioridade deste país – as crianças e os adolescentes.

Clenir Xavier, Diretora Internacional do Projeto Calçada, Lifewords

TÃO PERTO, MAS TÃO LONGE.

TÃO PERTO, MAS TÃO LONGE.

Era uma vez um menino que ainda pequenino
Foi escolhido pra morar na casa de Deus
Mas ele não sabia que um profeta seria
Toda a Israel a ele obedeceria
Quando foi dormir, uma voz então ouviu:
Samuel, Samuel, Deus te chama lá do céu
Samuel, Samuel, sê profeta de Israel;
Samuel – Aline Barros

“Samuel cresceu e teve dois filhos: Joel e Abia. A semelhança do seu pai, também foram juízes em Israel. Mas eles não seguiram as mesmas pegadas de seu pai, porém se inclinaram à avareza, aceitavam suborno e perverteram o direito dos mais vulneráveis.” I Samuel 8

Há um hiato que perpassa toda a história de Samuel e dos seus filhos. Essa lacuna é o simples fato de que Samuel não teve infância. Desde pequeno assumiu funções sacerdotais e religiosas, o que o mantinha por demais ocupado e assoberbado. Tais atribuições o tornaram profeta, sacerdote e juiz, mas não o ensinaram a ser pai. Ele não sabia ocupar essa função.

A narrativa bíblica e a canção mencionada no início desse texto não revelam que tipo de relação foi construída ou não entre pai e filhos, mas quando todos os líderes de Israel se reuniram e foram conversar com Samuel, em Ramá, o que foi dito é claro: os seus filhos não seguem o seu exemplo!

Tanta dedicação à Deus, não impediu que Samuel tivesse filhos desonestos. Tão perto, mas tão longe dos seus filhos.

O dilema de Samuel reverbera em vários personagens masculinos do Antigo Testamento: a dificuldade de compreenderem que a paternidade é um ato efetivo e social.

Mas tenho aprendido que a paternidade é socialmente muito mais fácil do que se pode imaginar, o grande desafio para nós homens é a paternagem.

A paternidade engloba um homem que se tornou biologicamente pai de alguém. Já a paternagem significa um homem que decidiu dar afeto, presença e envolvimento emocional aos seus filhos/filhas (biológicos ou não), em uma busca pela participação ativa no desenvolvimento dessa criança.

Segundo o terapeuta Guy Corneau, “é absolutamente necessário que os homens comecem a afagar seus filhos, assim abrirão para eles a porta da sensibilidade, e ao fazê-lo, descobrirão também sua própria sensibilidade. Os homens também têm um corpo, e as pessoas têm necessidade de ser tocadas para manter seu equilíbrio e saber que existem.” Homens que não tenham medo de estabelecerem conexões mais profundas e estáveis com seus filhos/filhas.

Pai ausente, filho carente é o título do livro de Corneau onde o próprio autor afirma que a origem dos problemas mais comuns entre homens é a ausência física e afetiva na relação com seus filhos/filhas.

Por que os homens têm medo da intimidade? Por que alguns recorrem à agressividade?Por que muitos se sentem levados a assumir o papel de heróis/eternos adolescentes/ conquistadores? Estas perguntas (e as suas possíveis respostas) revelam o que pode estar oculto na história de Samuel e
os seus filhos, Joel e Abia.

Eu poderia aprofundar essa questão a partir dos dados da PNAD/2015 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), que revelou que, das mais de setenta milhões de família em nosso país, 42% são lideradas por mulheres, e das trinta milhões de famílias que têm mulheres como chefe, apenas um terço têm um parceiro ao seu lado. O número de lares comandados por mulheres só
aumenta a cada ano; porém, vou ficar por aqui.

Homens como Samuel (que não são poucos) têm um exercício hercúleo pela frente: assumirem definitivamente os seus postos em conjunto com a suas esposas, na construção afetiva e efetiva da suas paternagens.

Vladimir de Oliveira | Coordenador Pedagógico/Articulador Social da Casa Semente.

Toda a família restaurada

Toda a família restaurada

Quero compartilhar uma experiência que tive envolvendo a Bolsa Verde. Eu trabalho no departamento de orientação cristã em uma escola. Nessa função acabo recebendo para aconselhamento muitos alunos com problemas comportamentais ou que demonstrem tristeza, depressão, agressão. 

Um certo dia, no final das aulas, enquanto esperávamos os pais e responsáveis buscarem seus filhos, Hector, de 6 anos, estava comigo. Seus pais demoraram muito a chegar e passamos muito tempo ali juntos esperando. Quando percebi a demora, sugeri que usássemos aquele tempo para orar pelos seus pais, pois eu sabia que eles estavam se divorciando. Assim fizemos.

No dia seguinte, pedi permissão ao professor para falar com Hector e aconselhá-lo. A ferida dentro daquele menino era muito grande. Ele disse que era como se uma faca perfurasse seu coração. 

Alguns dias depois da nossa conversa com a Bolsa Verde, soube que ele compartilhou com sua família o versículo da Bíblia que estava no cartão de bolso que ele escolheu. Os pais dele, meus amigos de infância, vieram me perguntar o que eu havia conversado com seu filho. Assim tive a oportunidade de apresentar Cristo novamente. 

Os dois oraram e algo muito especial aconteceu: eles decidiram trabalhar juntos pelo relacionamento. Não somente a ferida no coração de Hector foi fechada, mas toda a ruptura que acontecia naquela família foi interrompida e cicatrizada. O pastor da igreja os ajudou e hoje eles fazem parte da nossa igreja. Uma simples conversa atenciosa com uma criança pode ser instrumento de Deus para a restauração de um casamento e uma família inteira. 

A Bolsa Verde é uma ferramenta valiosa para curar os corações feridos de crianças e adolescentes, independentemente de raça, status social, religião. Com ela aprendi como conversar com esses pequenos. Eu gostaria de usá-la ainda mais, mas chegará a hora. Agradeço a Deus o privilégio que me deu, colocando em minhas mãos uma ferramenta com a Palavra Dele, que cura os corações partidos de crianças, adolescentes e famílias inteiras.


Escrita por Beatriz Bastos.

*O nome da criança é um pseudônimo para proteção de sua identidade.

30 anos do ECA e a disposição em não desistir.

30 anos do ECA e a disposição em não desistir.

Em 13 de julho é comemorado o aniversário do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. Em 2020 ele completa 30 anos. Sua construção deu-se com base em uma série de acontecimentos que colaboraram para sua criação, dentre eles a Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada em 1989, na Organização Nações Unidas (ONU).   (mais…)