A criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),em 13 de julho de 1990, estabelece que meninas e meninos de 0 a 18 anos devem ter seus direitos à vida, saúde, alimentação, educação, dignidade, respeito e assistência, entre outros, garantidos por toda a sociedade. Entre esse conjunto de direitos e normas está também a garantia do acesso à vacina. As vacinas são um marco na história da saúde humana e, segundo dados da Organização Mundial de Saúde, salvam a vida de 3 milhões de pessoas a cada ano. Para reforçar a importância das vacinas, o Brasil comemora, em 17 de outubro, o Dia Nacional da Vacinação, uma data para promover a importância da imunização no controle de epidemias. É sobre esse tema que eu conversei com a presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Dra. Mônica Levi.
Projeto Calçada: Poderia nos contar um pouco sobre a Sociedade Brasileira de Imunizações e seu papel na promoção da vacinação no Brasil?
Dra. Mônica Levi: A SBIm foi criada 26 anos atrás por um grupo de médicos que se dedicavam às imunizações. Ela foi num crescente. É uma sociedade que cada vez mais está envolvida, tanto com as melhores práticas de imunização, considerando calendários privados e discussões técnicas para isso, com a Câmara Técnica da SBIm, quanto à participação com um monte de instituições públicas, desde ONGs, que nós participamos aí com ONGs ligadas às imunizações, à prevenção de câncer, apoio à prematuridade, à obesidade, enfim, saúde das mulheres. São várias instituições sem fins lucrativos, das quais a gente participa, assim como na Câmara Técnica do CETAI, que é a Comissão Técnica, Assessora e Imunizações do Ministério da Saúde. Membros da SBIm participam nisso e outras associações. Nós temos um acordo formal fechado com a OPAS, a Organização Pan-Americana de Saúde, com o Unicef. Enfim, a SBIm atua em prol das imunizações sob diversas frentes, pensando na saúde individual e na saúde coletiva. Então, nós temos uma grande gama de atuações dentro de sites, congressos, jornadas, aulas e entrevistas. São as diversas formas de comunicação onde passamos os recados e as discussões. Enfim, tudo em prol, e com o objetivo da melhor maneira possível da evolução das imunizações no país.
O que representa o Dia Nacional de Vacinação para a SBIm e para a sociedade em geral?
O Dia Nacional de Vacinação é um dia especial, porque é um dia onde há uma reflexão, uma mobilização maior em relação às vacinas. Então, se concentra esforços para você divulgar informações e conquistar adesão da população sobre a importância da imunização, seja para o indivíduo, seja para a sociedade, seja para a imunidade coletiva, imunidade de rebanho. Então, participam diversos atores desse Dia Nacional das Imunizações, seja o Ministério da Saúde, as secretarias estaduais, municipais e a sociedade civil. Espera-se, com esse Dia Nacional da Vacinação, que você incremente as coberturas vacinais no país.
Quais vacinas são recomendadas para crianças e adolescentes no Brasil?
Existem 18 vacinas hoje, que são disponibilizadas e recomendadas no calendário infantil, que é do zero aos nove anos de idade. São acomodadas dentro de prazos, onde deve ser feita cada vacina, cada esquema vacinal e cada dose de reforço. Mas, basicamente, nós fazemos a vacinação contra a tuberculose, que é o BCG ao nascimento, junto com a primeira dose de hepatite B. Depois tem a vacinação pentavalente, poliomielite oral, febre amarela, tríplice viral, varicela, difteria tétano, coqueluche no reforço, rotavírus, pneumocócica, meningocócica, pólio inativada, que agora vai ser a única vacina contra pólio utilizada no país, a partir de novembro. Hepatite A e, mais tardiamente, a partir dos nove anos, HPV e duplo adulto e a vacina contra a Covid. No calendário do adolescente, vai depender das vacinas que ele fez previamente. Então, hepatite B parte do princípio que seja feito no calendário da criança, mas se não fez ou não completou o número de doses, na adolescência é importante esse check-up do calendário vacinal de cada adolescente para ver alguma vacina que tenha deixado de ser feita na idade que foi recomendada. Então, faz parte do calendário do adolescente a hepatite B, um reforço com a dupla adulto, febre amarela, teoricamente, a criança já recebeu duas doses aos nove meses, aos quatro anos, então adolescente não teria que fazer, mas se ele não recebeu nenhuma dose, é o momento de ele ser vacinado. Tríplice viral, ele teria que ter duas doses, também na infância. Não fez, vai fazer agora na adolescência.
Então, as vacinas que são realmente, de fato, feitas no adolescente é um reforço da meningite meningocócica, a vacina contra o HPV, o reforço do tétano, seja com a dupla adulto no calendário público, seja com a tríplice bacteriana do adulto, no calendário privado, e agora a vacina contra a dengue, que foi adicionada ao calendário do adolescente, porque a faixa etária que foi decidida nesse início da vacinação contra a dengue foram os adolescentes de 10 a 14 anos.
Como a SBIm orienta os pais sobre a importância da imunização em relação a doenças evitáveis?
A SBIm se comunica com o público leigo, com a população em geral, de diversas formas. Nós temos um site chamado Família SBIm, onde todas as orientações aos profissionais da saúde são traduzidos de uma maneira fácil, leiga, compreensível para a população em geral. Então, essa é uma forma por escrito, onde a gente tem uma verdadeira enciclopédia sobre todas as vacinas, sobre a importância, sobre recuperação de calendários vacinais atrasados. Enfim, tudo que existe sobre vacinação pode ser checado, pode ser consultado por qualquer pessoa. Esse site aberto, que é o Família SBIm. Fora isso, a gente se comunica também muito com a população leiga, nas entrevistas, nas mídias. Então, a SBIM, frequentemente, está aí passando informações, sendo entrevistadas. É uma fonte de informação confiável. Enfim, a gente está aí, de diversas formas, nos comunicando com a população em geral e com os profissionais da saúde.
Existem também outros motivos que levam à não vacinação, que são de organização mesmo. Falta desabastecimento temporário de vacinas, horário de funcionamento dos postos, profissionais da saúde que estão lá na frente do paciente a ser vacinado e, por algum motivo, a criança sem a vacinação. Então, tem a capacitação dos profissionais que atuam na linha de frente, esse é um grande desafio. A gente vê barbaridades acontecendo nas salas de vacina. É um desafio, é muita gente. Nós temos 38 mil salas de vacina no país e a gente precisa treinar cada profissional que está lá na frente; Eles rodiziam muito, então, o treinamento e a capacitação dos profissionais da saúde também é muito importante. E detectar algum que seja antivacina, que não pode estar exercendo essa função de vacinação e espalhando medo, insegurança. Então, essas pessoas têm que também ser detectadas e mudar de função, enfim, aí cabe a cada posto de saúde tomar suas medidas.
Quais são os principais desafios enfrentados na promoção da vacinação infantil no Brasil?
Então, é um esforço extra que se faz para que a gente possa conscientizar tantos pais de crianças pequenas sobre a importância de manter o calendário vacinal em dia. Então, essas vacinas que estiverem em atraso é uma oportunidade de se organizar, adequação, atualização do calendário vacinal. Com isso ganha a criança vacinada e ganha a sociedade, com menos pessoas vulneráveis, com menos risco de reintrodução de doenças.
Eu vejo como um dos grandes desafios para a vacinação ocorrer tranquilamente no país, como era até uns anos atrás, é lidar com a desinformação, com a forma como as pessoas se orientam, hoje em dia muito pelas mídias sociais, por grupos de WhatsApp, e a gente sabe a quantidade de informações erradas e de fake news que estão correndo. Nós tivemos também durante a pandemia de Covid, que acentuou isso no país, uma organização dos grupos antivacina dos quais profissionais da saúde fazem parte, alguns profissionais da saúde que militam contra a ciência e contra as vacinas. Esse é um grande desafio, a gente conseguir fazer com que a população se sinta segura em vacinar e perceba a importância da vacinação e se sinta realmente confiante de levar uma criança para receber uma vacina quando ela ouviu boatos, fake news e desinformação sobre os riscos que essa vacina traria para o seu filho.
Esse é um dos grandes obstáculos que a gente está enfrentando. Fora isso, associado a isso, graças a vacinação em massa o Brasil eliminou doenças, controlou outras que antes eram muito frequentes. Com isso, os pais passam a se preocupar muito mais com esses boatos e com essas informações erradas sobre a segurança do que com as doenças que eles não estão vendo. A gente vê isso na prática; quando acontece um óbito por meningite meningocócica, por exemplo, a gente vê o número de pessoas correndo atrás da vacina; pessoas essas que já deveriam ter vacinado seus filhos, que deixaram de vacinar seus filhos, mas aí quando vê o medo próximo, poderia ter sido o meu filho, aí sai correndo. A gente viu isso na pandemia de H1N1, nesse surto último que a gente teve em 2017, 2018 da febre amarela. Aí sim, começa aquela corrida com horas e horas de fila e as pessoas apavoradas com doenças, porque elas estão sentindo medo, aí elas param de se preocupar tanto com esses boatos, com essas fake news e se vacinam.
Mas a Covid foi um caso à parte. A gente teve realmente uma mobilização contra a vacinação muito grande que veio desde a política até o Ministério da Saúde. Foi um desafio muito grande quando o estrago está feito, você retomar a confiança é muito difícil.
Que mitos, ou desinformações, sobre vacinas você gostaria de desmistificar?
São inúmeros mitos para diversas vacinas diferentes, então não tem nenhum mito específico que eu queira desmistificar Eu acho que existem fontes de informações corretas, eu recomendo que os pais se informem em locais oficiais pode ser no site do próprio Ministério da Saúde, no site da Anvisa, da Fiocruz, onde costuma ter todos os dados tabulados então esses dados são abertos e disponíveis para o público em geral. E os dados da SBIm. O nosso site, onde diversas informações, notas técnicas, isso seria mais para os profissionais da saúde, e no Família SBIm há informações também na forma fácil, clara para o leigo poder tirar suas dúvidas Temos um Fale Conosco, onde perguntas são respondidas e qualquer um pode fazer contato.
Como a vacinação tem contribuído para a saúde pública no Brasil, especialmente no que se refere à proteção de crianças e adolescentes?
Existe uma meta que é o percentual da população que deve estar vacinado para sua proteção individual e para a proteção coletiva, porque sempre existe o risco de reintrodução de doenças quando você tem grupos, nichos de não vacinados. É muito importante que as pessoas sejam vacinadas de acordo com as vacinas recomendadas para a faixa etária. A importância disso é sempre ressaltar que as vacinas são seguras, são confiáveis, são muito importantes para a preservação da saúde, para a longevidade, para uma vida mais longa, só as vacinas isoladamente foram responsáveis para o incremento de mais de 30 anos na expectativa de vida. Essa é a ideia, todas as fases da vida têm vacinas recomendadas e além de outras orientações para hábitos saudáveis. A vacinação em dia é mais uma ação que vai manter, que colabora para a preservação da saúde.
Que iniciativas ou campanhas a SBIm está desenvolvendo atualmente para promover a vacinação?
Em relação a como a SBIm tem promovido o incentivo à vacinação, são de diversas formas, como eu já comentei, curso de capacitação para os profissionais da saúde, que está agora em uma fase de atualização, mas esse curso existe já há alguns anos, alguns vários anos, onde muitos profissionais da saúde fazem esse curso, inclusive tem prova final e certificação. Nós temos um programa novo que chama Direto ao Ponto, onde também são programas de informação sobre imunização. Esses programas que nós estamos trabalhando são fonte de informação para os profissionais da saúde e atuamos também em diversas frentes junto a essas organizações, como eu disse, OPAS, Unicef e mesmo a SBIm fazendo suas próprias campanhas, como fizemos mais recentemente a campanha da raiva. Estamos fazendo um guia de imunização para pacientes oncológicos, já fizemos os oncológicos, com os pacientes alérgicos, trabalhando em parceria com outras sociedades médicas. Enfim, a SBIm atua em inúmeras frentes, sempre com o objetivo de melhorar a capacitação dos profissionais; e não são só aqueles que atuam em sala de vacina, mas os profissionais especialistas que não têm tanto contato com a imunização, que não se preocupam com a imunização dos seus pacientes. Então procurando, nós temos hoje médicos de diversas especialidades para incentivar que o profissional da saúde, especialista, recomende vacinas para os seus pacientes e são várias ações que estão sendo feitas para que isso aconteça de uma forma melhor.
Que mensagem você gostaria de deixar para os pais e responsáveis sobre a importância da imunização?
A minha mensagem final é que esse é o maior presente que a família pode dar para as suas crianças a proteção contra doenças que são imunopreveníveis, que vão preservar a saúde dos seus filhos, impedindo que eles tenham doenças graves, doenças até fatais. É um direito da criança e é um dever de quem cuida, de quem ama essas crianças, preservar sua saúde. As vacinas fazem parte dos cuidados que devemos ter com as crianças.
Eu só queria também fazer um comentário de que deve ser entendido que a vacinação não é um ato de proteção individual apenas, claro, aquela pessoa que está vacinada ela está protegida contra a doença, a não vacinada além de estar sob risco de desenvolver essas doenças para as quais ela não foi vacinada, ela também é um transmissor, ainda que involuntário. Então há uma responsabilidade coletiva, existe uma responsabilidade social porque o não vacinado e que adoece, ele transmite. Ele transmite para pessoas que podem ter situações frágeis, situações de maior gravidade de evolução das doenças e podem até ir a óbito.
Então existem situações de contraindicação de vacinas, por exemplo, um imunocomprometido grave que não pode tomar as vacinas vivas. Se ele tem contato com uma pessoa, com uma criança ou com um adolescente que está com sarampo, ele pode ter um quadro muito grave de sarampo. Então a gente tem que entender também a responsabilidade social da vacinação.