Maria Eduarda, Vinícius, José Carlos, Alan de Souza, Fabiano Oliveira. Esses nomes tomaram os meios de comunicação em diferentes épocas, mas por um mesmo motivo: todos eram crianças ou adolescentes e foram mortos de maneira trágica. Maria Eduarda estava na escola, Vinícius de uniforme do colégio, José, Alan e Fabiano, mortos pela polícia militar.
Falar sobre a morte desses jovens é algo difícil e, ao mesmo tempo curioso e instigante. No ano passado, durante a primeira edição do Congresso Online promovido pelo Projeto Calçada, o pastor, teólogo e escritor Ronilso Pacheco ministrou a palestra “A morte no Brasil tem endereço”, na qual falava sobre a maneira como os assassinatos em nosso país têm, geralmente, um perfil étnico, social e demográfico, “o jovem morto é geralmente negro, pobre e morador da periferia”.
Ronilso explicou que existe uma forte relação dessas mortes com a cor da pele dos atingidos, há um rastro histórico que explica um pouco dessa realidade. “A formação brasileira tem o racismo como marca de sua estrutura”, disse. O fato de termos um país construído com base na escravidão de negros trouxe muitas características que estão em nossa sociedade até hoje. A lei do ventre livre, por exemplo, determinava que os filhos de escravos que nascessem depois de sua assinatura fossem libertados depois que completassem 18 anos. Isso gerou crescimento de orfanatos, de crianças sem pais e, juntamente com outras leis, como a dos sexagenários, causou uma enorme quantidade de pessoas negras vivendo na rua. Depois disso, a busca pela estética européia nas principais cidades foi empurrando e isolando essas pessoas para lugares precarizados.
Lembrando um pouco dessa parte da história do Brasil, conseguimos compreender como o espaço geográfico tem, realmente, uma forte relação com a cor da pele de quem o ocupa.
“Diferente da segregação americana e do apartheid na África do Sul, onde a divisão entre brancos e negros era clara, o Brasil vive um racismo ambiental. Por exemplo, se você for no Leblon, é ‘natural’ que veja mais pessoas brancas, já em áreas de periferia é ‘natural’ que sejam negros.”
“Falar que a morte tem endereço, significa dizer que em alguns lugares a morte, ou pelo menos a morte violenta, não frequenta”, disse Ronilso. Ele explica que, além do racismo ambiental, a relação do estado com a população, por exemplo, é diferente em certos lugares. Para ele, a política antidrogas, essa busca por acabar com o tráfico, acaba sendo usada como desculpa e ´justificando´certas ações da polícia. “Para reprimir, vale fazer uma operação que coloque em risco a vida de crianças e adolescente? Quantos traficantes presos valem essas vidas?” Para onde a história empurrou os jovens pobres e negros? Como seus sonhos foram restringidos? Suas vidas são menos valiosas?
Ronilso finalizou a palestra lembrando do versículo “quero trazer à memória aquilo que me dá esperança” (Lamentações 3.21). Precisamos lembrar, discutir e não esquecer dessa realidade. Nossa vida é marcada por uma sucessão de perdas. Perdemos um adolescente hoje e o esquecemos com o próximo. “Falar sobre isso nesse congresso já me traz esperança. Estar discutindo esse assunto com vocês me traz esperança. O que Jesus tem pra todos é vida, e vida em abundância, para que a morte não tenha endereço”.
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